O monstro do ódio <br>entra na campanha

António Santos

Poucas horas depois do inenarrável acto de terror que, na madrugada de domingo, fez 50 mortos e 53 feridos numa discoteca gay em Orlando, na Florida, Donald Trump aproveitava o ensejo para «agradecer os parabéns recebidos por ter razão sobre o terrorismo islâmico». Ignorando o facto de que o atirador, Omar Mateen, nasceu nos EUA, o candidato presidencial nomeado pelo Partido Republicano prometeu proibir a entrada de muçulmanos nos EUA e atiçou uma cruzada nacional de ódio contra o Islão. Ao contrário do que sucede nos EUA sempre que o perpetrador do tiroteio é branco e cristão, ninguém ousou chamar louco a Omar Mateen, filho de um afegão com ligações à CIA, muçulmano e, por esta última razão, detentor exclusivo do epíteto «terrorista». Ultrapassando Obama pela direita, Hillary Clinton apontou baterias ao «Islão radical» e prometeu incrementar a «guerra contra o terrorismo». Começava a transfiguração da homofobia em islamofobia.

Perguntei a Maile Hampton, activista LGBT e uma das arquitectas dos protestos que infernizam a campanha de Trump na Califórnia, o que pensa sobre Orlando: «O governo dos EUA pede para rezarmos pelas vítimas, mas criou as condições que permitiram este massacre. É uma hipocrisia: a homofobia e o ódio são encorajados pela propaganda reacionária do sistema». Para a activista californiana, «o socialismo e o comunismo são a única forma de conquistar na totalidade os direitos de que a comunidade LGBTQ precisa para se libertar. Sob o capitalismo a verdadeira igualdade nunca poderá existir.»

«O movimento conquistou vitórias consideráveis, como a lei federal Marriage Equality Act, que protege o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas trata-se de reformas que podem ser destruídas, como demonstram as recentes leis anti-trans na Carolina do Norte. Só com o socialismo será possível defender permanentemente os direitos da comunidade LGBTQ. E cada vez mais, esta comunidade associa «socialismo» a viver sem medo de ser assassinado por causa da orientação ou identidade sexual».

A palavra S

Durante a campanha em curso, confirma Maile, a palavra socialismo, amplificada por Bernie Sanders, libertou-se do tabu que a fechava há um século numa tenaz de silêncio. «Antes, a “palavra S” era sussurrada com medo. Agora é sinónimo de anti-racismo e anti-homofobia, bem como de saúde, educação e habitação gratuitas. Cabe agora aos comunistas clarificar o sentido do «socialismo» como uma ferramenta revolucionária», considera a militante do PSL (Partido pelo Socialismo e Libertação) que, em Novembro, estará presente nos boletins de voto de uma dúzia de estados.

À semelhança de uma dezena de outras organizações de esquerda, o PSL anunciou candidatos próprios e não irá apoiar os democratas, uma opção que vai crescendo na medida em que se torna claro que Bernie Sanders irá cumprir a promessa de apoiar Hillary Clinton. Após a derrota do senador do Vermont na Califórnia, a permanência de Sanders na corrida deverá limitar-se a um esforço de condicionamento das escolhas de Clinton. «Apoiar a Hillary, o chamado mal menor, não vai deter o avanço da extrema-direita», recorda Maile. «A candidatura de Hillary difere da de Trump pela grossura de um cabelo. Tanto uma como outra são a continuação do desastre económico e social para a classe trabalhadora e da guerra para o estrangeiro».

Mas será que Trump pode mesmo vencer? É possível, especialmente num caldo de actos terroristas como o de Orlando e de grande volatilidade política, de que é exemplo o caso dos imprevisíveis «emails de Clinton».
«Só sabemos que a luta vai continuar depois das eleições, independentemente de quem seja o presidente», sublinha a militante estado-unidense. «A mudança real virá duas ruas, não dos boletins de voto. É essencial recordar que todos os grandes avanços da nossa classe vieram da luta organizada. O surgimento de novos movimentos de massas como o Occupy, pelo salário mínimo de 15 dólares ou pelos direitos dos negros, mostram que cada vez mais trabalhadores compreendem isto.»

Antes do massacre, o atirador de Orlando terá dito que agia em nome do Estado Islâmico, mas é provável que tivesse ligações tão fortes a Trump como a al-Baghdadi. Mateen adquiriu a sua metralhadora AR15 como um bom republicano; tinha fama de machista como prescrevem os fundamentalistas cristãos; fazia gala, como os paleo-conservadores, do seu amor pela brutalidade policial e, como toda a extrema-direita, odiava homossexuais. Seria, afinal, o descendente de afegãos um «radical islâmico» ou outra coisa? A verdade é que, na barbárie como nas ideias, a normalidade político-ideológica dos EUA anda há muito de braço dado com as fátuas do Estado Islâmico na mesma sopa de ódio primordial onde se geram os fascismos: o capitalismo em crise. O monstro de Orlando jurou ódio à humanidade – e lealdade a Trump.




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